Comecei assim na semana passada. Jurei ter-te visto entrando pela sala vazia. Fechei os meus olhos com força. Depois foste embora.
Foi há quase um ano quando te vi pela primeira vez. Tinhas um sorriso rasgado, pessoal, um olhar penetrante e umas mãos que me cativavam. Reparei que olhavas docemente para mim. Comecei automaticamente a imaginar que coisas habitariam a tua mente, o que fazias nos Sábados á noite, por onde passeavas e se também tu te sentias sozinho nas frias noites de Inverno, quando o vento sopra por entre as janelas meio abertas, onde as gotas de chuva deixam um rasto que com o tempo se apaga.
O meu olhar não parava de fitar a tua silhueta firme. Tinhas uma voz diferente, madura. Tentei logo saber o teu nome, saber o que fazias durante a semana, a frequentar os sítios que tu mais gostavas na esperança de te ver.
Uma noite, num desses bares tu entraste acompanhado. Olhaste para mim mas não prestaste muita atenção. Fiquei logo frustrada, com aquela raiva que entra no peito mas no acto seguinte nos foge, como se o vento a viesse buscar. O teu cabelo desenhava finos caracóis. Via-te rir, perguntava-me quais as coisas que ela te diria que fariam sorrir, se também eu poderia algum dia dizer-te alguma coisa como ela que pudesse despertar em ti o mesmo prazer. Depois comecei a imaginar-te diante de mim mas afastei rapidamente esse pensamento. Ninguém naquele lugar poderia perceber o calor que me despertavas. No momento seguinte ela foi embora, tu ficaste sozinho. Toda a gente naquela sala te admirava, eu podia ver pelo olhar das mulheres. Qualquer mulher naquela sala desejava tirar-te para dançar. No fundo soava Jeff Buckey- Everybody here wants you. A música perfeita, que me trazia recordações de momentos nossos mas que nunca vivemos, sei lá, talvez vividos noutras vidas. Parecia que já te conhecia sem nunca te ter visto antes. Todas as mulheres te queriam. Comecei a ficar com medo de te perder sem ainda nem te ter comigo. Era uma sensação estranha. Olhavas o copo meio vazio sob a mesa desarrumada. Papéis, coisas sem a mínima importância comparados contigo e com este meu desejo de conseguir que os nossos olhares se cruzasse. Fiz força, muita força para que me olhasses e olhaste. Quando eu menos esperava olhaste-me. Percorreste levemente o olhar pela sala e paraste-o em mim, eu, a mulher de menos importância naquele bar de gente elegante, de gente bem mais interessante que eu. Nisto levantaste-te. Fiquei com medo de ires na minha direcção, talvez viesses meter conversa comigo, mas não, foste para o balcão pedir mais uma bebida que provavelmente nem chegarias a acabar. Entristeci em perceber que havia perdido todas as chances, aquelas que nunca tive.
Nem eu percebia mais o que se passava, o que estava a acontecer á minha volta. Nem arrisquei mais em olhar-te. Era demais para mim poder sentir o teu perfume naquela sala cheia de fumo. Era demais para mim poder imaginar-te já neste momento caído nas mãos de uma outra mulher. Nem conseguia sequer imaginar-te com ela nem perceber o que ainda fazia naquele bar. Decidida a sair o empregado cruzou-se comigo, ofereceu-me uma bebida de morango. Olhei á volta, nem sabia de onde vinha, nem se poderia aceitar. Sempre me disseram para não aceitar bebidas de estranhos. Nisto ele referiu-me o teu nome, como se eu já o soubesse, como se eu já o soubesse de toda a minha vida, como se eu já tivesse alguma vez tivesse estado nos teus braços. Como poderia aquilo ser possível? Nisto olhei para trás e tu sorrias, olhavas-me com um ar esperançoso. Sorri, sentia-me a ferver. Apetecia-me chegar perto de ti e beijar-te loucamente sem nunca ter de acabar. Depois afastei rapidamente essa ideia da minha mente. Convidaste-me para me sentar naquela mesa desarrumada contigo. Assenti sem sequer saber o porquê de ter aceite tal convite. Nisto estávamos frente a frente. Dois estranhos. O calor que me subia pela espinha, o tremer das minhas pernas, a agonia de nem saber o que fazer. Reparei em ti. De perto eras ainda mais bonito, mais quente. Os teus lábios brilhavam com o corante da bebida. Quem me dera que a bebida fosse a tua boca. Mas...em que estava eu a pensar? Nunca eu me havia sentido assim daquela forma. A conversa fluiu depressa. Nem me recordo bem do que disse, apenas que sorrias, que correspondias e depois...que seguravas a minha mão, que entrelaçavas nela os teus dedos firmes, que eu já sabia serem firmes ainda antes de os sentir. A tua pele macia, perfumada misturada com a pele de uma estranha. Olhei á volta para conter o fogo do meu desejo.
Perguntaste se eu queria dançar. Aceitei. Alguém voltou a pedir a mesma música. Parecia um sinal. Talvez pudesse ser nossa. Deixei-me prender em ti. Os nossos cabelos pegados, os teus braços que dançavam á minha volta, o teu cheiro que se fundia na minha pele, passando a ser também esse o meu cheiro. Não conseguia suportar uma dor igual aquela. Era como se ter-te me custasse a vida. E custava. Não sabia até que ponto aguentaria aquele desejo ardente que me provocavas. Nisto senti os teus lábios no meu pescoço. Pensei que fosse efeito da bebida, que tudo aquilo fosse uma ilusão, mas era real. Não esperei que a noite acabasse sem os sentir. Agarrei no teu rosto de boneco, as minhas mãos percorriam suavemente o teu cabelo, desenhando cada um dos teus caracóis suaves, ceda pura, fina nas minhas mãos trémulas. O que fazia eu? Éramos ainda dois estranhos, ou não seria assim então?
O tempo parou quando as nossas bocas se fundiram. A tua boca sabia a canela, os teus lábios tinha um doce que nunca consegui decifrar. Naquele momento decidi que não passaria daquela noite, tinhas que ser meu, fosse como fosse terias que me pertencer. E não conseguia parar de ser eguista comigo mesma, parar de pensar um momento que fosse no que desejavas tu, mas sim no que eu pretendia e pretendia-te a ti.
Ali, naquele lugar, eras meu, eu sabia que o eras...e ainda nem nos tínhamos conhecido.
(Para ti John, que habitas na minha cabeça como uma parte do meu cérebro)
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