Tudo começou numa noite completamente vulgar. Fui com um grupo de amigas para uma discoteca qualquer, sem rumo nem horas para voltar. O ambiente era simpático, as pessoas estavam bem dispostas e a música de fundo soava agradavelmente nos meus ouvidos. Fui buscar uma bebida para aquecer. Haviam pequenos grupos de mulheres ao balcão que mexiam animadamente as ancas. Apreciei a forma descontraída como o fazia, como se fossem donas do mundo e tudo fosse perfeito nas suas vidas. Sorri, pois sabia bem ver rostos bem dispostos. Serviram-me uma vodka, levei-a na minha mão e mergulhei por entre uma enorme multidão em busca do meu grupo de jovens mulheres sem rumo nem hora para chegar a casa, mulheres sem maridos ou sem homens a quem dar satisfações do que se passa nas nossas vidas. Estava pronta para ir para a pista, dançar até o nascer do sol, apanhar a noitada da minha vida e sentir a música bombear o meu sangue para todas as cavidades do meu corpo. Mesmo com saltos, nem me importei. A dada altura um individuo faz-me tropeçar quase me fazendo entornar a bebida. Olhei passada. Tentei chamar quem quer que tivesse feito aquilo á atenção quando o vi...Um rapaz jovem de T-shirt branca e cabelo ondulado que me olhava espantado pelo momento inesperado do embate. Ficamos parados frente a frente. Mesmo na escura discoteca podia ver que os seus cabelos brilhavam como a luz de um dia de sol que nasce. Os seus olhos castanhos escuros, penetrantes olharam-me fixamente, atentos, como que a planear o próximo golpe, numa tentativa de me deixar sem armas de defesa. Uma das minhas colegas veio puxar-me para o meio da pista. Deixei a bebida quase cair. Perdi o controle nos meus sapatos de salto sem tirar os olhos de cima dele, que por sua vez me admirava espantado entre uma enorme multidão de corpos que se misturavam e repetiam os mesmos movimentos ritmados do som da música. Deixei-me ficar quieta, embora fosse sempre sendo puxada por agora o meu grupo inteiro de jovens mulheres que não têm hora para chegar a casa. Fiquei de olho nele. Tentei dançar e parecer animada, mas tal era impossível. O rapaz da t-shirt branca veio para o meio da pista, dançava num pequeno grupo de jovens talvez solteiros, talvez comprometidos, sem também eles hora para chegar a casa. Girava sobre os meus sapatos e admirava-o a cada volta que dava, sempre de olhar fixo em mim como se sempre nos tivéssemos pertencido. O som e a música deixavam-me tonta. Por momentos quase que o senti beijar-me, mas claro, isso apenas nos meus sonhos obscenos de uma mulher solteira e sozinha que acabara de encontrar um estranho com quem poderia passar a noite.
Tentei voltar ao meu estado normal, chamar-me a mim mesma á atenção, desviar esse pensamento da minha cabeça. Embora eu não tivesse hora para chegar a casa, não pretendia perder a minha cabeça.
No fundo começava a senti-lo...o efeito do meu coração que me fugia, das minhas mãos que se prendiam na garganta seca pela ansiedade de não passar daquela noite em que os nossos olhares se cruzavam. Girei fechando os olhos, sentindo uma imensa multidão de mãos e corpos imundos pelo suor que se misturavam comigo, que dançavam as mesmas batidas, as mesmas melodias que se repetiam misturadas, disfarçadas pela vergonha de uma não versatilidade imparcial.
Tentei berrar, gritar que me sentia a sufocar, quando sentia uma mão encaixar na minha. Sorri pensando ser uma das minhas amigas e abri os olhos, mas paralisei. A dado momento, deixei de as ver, entrando em pânico por tentar procurar em vão o rasto de cada uma delas sem sucesso...e mesmo á minha frente...ele, de olhos completamente colados aos meus, como que a avisar-me que seria ali que tudo aconteceria e ali que tudo se perderia. Cedi. Parei no meio da pista com o meu coração aos saltos sem saber para onde me virar. O rapaz da t-shirt branca pousou levemente a sua delicada mão na minha cintura e puxou-me para dançar. Sorrimos ao perceber que os nossos corpos encaixavam de forma perfeita na melodia que chegava frenética. Alexandra Stan- Get Back tocava na discoteca. Um belo som para duas pessoas que lentamente se aproximavam e sorriam por não se conhecerem. Cedia a cada toque, a cada emoção e cada estimulo que ele me dava. Não sabia onde aquela música nos podia levar mas cedia sem receios de ter de explicar tudo quando chegasse a casa. Nisto o mundo parou quando os lábios dele se uniram aos meus sem qualquer tipo de equivoco, sem qualquer tipo de medo ou qualquer tipo de maldade. Beijamos-nos sem nos arrependermos, beijamos-nos tanto que nos perdemos entre uma doce mistura de pecado com sabor da vodka que rapidamente se evaporou entre uma onda de fumaça que provinha da pista. Nesse momento deixei de o ver. Procurei-o desesperada tentando ter a certeza de que não havia sonhado. As horas passavam e os meus lábios procuravam os dele no meio da multidão. De repente, todos os outros tinham também uma t-shirt branca. Todos me olhavam parecidos com ele, mas nunca iguais a ele. Fugi da pista em busca de uma ilusão que certamente se haviam evaporado da minha vida. Corri para o exterior sem pagar, com o segurança mesmo atrás de mim a pedir-me que pagasse a conta. O meu grupo de amigas veio ter comigo animado. Paguei a conta e voltei de carro para casa. Olhava para trás a cada curva, a cada abrandamento do frenético motor de um BMW que nem me pertencia. A dada altura senti-me exausta e sufocada. Acabei por adormecer no banco de trás do carro entre lágrimas e desespero.
Passaram-se dois meses.
Era mais um dia comum, como todos os outros em que saio de casa para trabalhar. Comprei o jornal para ler as noticias e esperei o comboio na estação. Assim que escuto o motor parar mesmo diante de mim entrei e coloquei os meus phones para deixar o tempo correr. Havia algum tempo que não ouvia música desde...pronto, desde aquela altura.
Começou a tocar Alexandra Stan. Aquela música fazia lembrar-me alguém. Decidi parar, mas uma travagem mais acentuada do comboio fez-me perder o controle do aparelho que me escapou acidentalmente das mãos. Procurei-o no meio de algumas pernas que se moviam em direção á saída e nisto uma mão estende-se na minha direção para me devolver o aparelho que quase havia perdido. Endireitei-me numa de agradecer ao estranho que amavelmente reparou que deixaram cair o meu pequeno sistema de som e congelei. O rapaz da T-shirt Branca sorria para mim, tal e qual como na noite em que nos conhecemos, tal e qual como na noite em que desapareceu. Unimos as nossas mãos. Disse-me que tinha algo para me devolver, que me havia roubado há dois meses atrás. Fechei os olhos, não pensamos em nada.
4 comentários:
Mas que post tão lindo e tocante Tânia. Sabe sempre bem vir aqui e sermos presenteados com algo assim, tão original. És muito imaginativa.
Beijinhos
Farei mais assim que me venha a inspiração para tal, combinado? ^^
Uhm...não era o Jeff Buckley pois não?
Não era, mas é parecido, tem t-shit branca e claro que não é tão bom e grosso, mas ao longe ninguém notava grande coisa e depois a bebedeira (que eu n acredito que a personagem não tivesse com uns copázios para delirar tanto) deve ter ajudado. Claro que no dia em que ela o voltou a ver devia ainda ter os efeitos da ressaca.
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