Bem vindos ao meu blog. Aqui escrevo o que penso, o que me apetece e o que bem entendo. Fiz-me entender? Nem por isso? É complicado exemplificar. Puxai uma cadeira. Comei pipocas e ride! Sim...riam muito porque tristezas não pagam dívidas.



terça-feira, 13 de abril de 2010

A sala de aula

Foi no mês de Novembro. Chovia bastante nesse dia quando saí do meu carro para me dirigir á sala onde supostamente iria ter aula. Nesse dia tinha vindo muita gente. Comecei então a minha aula como de costume. Reparei então numa aluna nova ao fundo da sala. Notei que não era como os outros alunos, ela ouvia atentamente tudo o que eu dizia, mostrava interesse por cada sílaba, cada palavra da matéria que ditava. Tinha um brilho nos olhos ao escutar-me. Senti-me de imediato noutra dimensão. O meu olhar atento, preso no dela sem saber ao certo o motivo. Deixava as palavras saírem livremente pela minha boca tentando ao mesmo tempo decifrar todos os sentimentos que me envolviam. Sentia-me amarrado no olhar atento que ela demonstrava pelas coisas que escrevia no quadro. As letras e as palavras distorcidas mas que só ela entendia.
Era uma aluna diferente de todas as outras, de todos os alunos juntos naquela imensa sala de aula. Era participativa, perguntava sempre que tinha oportunidade alguma coisa sobre a matéria e era bastante aplicada. Certo dia chamou-me até ela para lhe esclarecer uma dúvida com um sorriso único que me paralisou. De perto era ainda mais bela. O olhar azul celeste e brilhante, grandes olhos azuis repletos de alegria e atenção, lábios suaves e delicados, pele macia e perfumada que me deixava envolver de cada vez que passava pela mesa onde ela se sentava. Sentia-me ridículo ao mesmo tempo, incapaz de entender o motivo que me levava a desejar cada vez mais ir para aquela aula. Era sempre a última aula da tarde. Depressa ganhei gosto na minha profissão. De noite contava as horas para voltar a entrar naquela sala gigantesca, voltar a cruzar-me com ela, dar aulas para ela e apenas para ela, pois embora houvessem imensos alunos eu apenas a via a ela.
Um dia depois da aula ela ficou sozinha na sala, veio ilugiar o meu trabalho, disse que a forma como ditava a matéria era única e envolvente. A sua voz era tentadora, fez-me estremecer a cada palavra. Dei por mim a perguntar se estaria a ficar louco, se estaria a alucinar. Era sempre ela a primeira a entregar os trabalhos, sempre com bons resultados, uma aluna exemplar e esperta, com uma enorme capacidade e que facilmente seria bem sucedida numa carreira profissional prometedora. Um dia disse-me que queria ser professora de biologia, que queria ensinar como eu, dar o exemplo do que é ser um bom professor.
Depois vieram as férias, o tempo passava devagar. Nunca mais a vi nesse espaço de tempo. Ía sempre á universidade mesmo sem necessidade ver se a encontrava. Certo dia, numa dessas minhas idas doentias disseram-me que esteve uma aluna de pele clara á minha procura, mas como eu não estava havia deixado um recado na minha secretária. Entrei no gabinete a correr, as mãos a suar, o corpo a tremer com a fúria de saber que estivemos a pequenos minutos de nos encontrar. Na mesa do meu gabinete havia um bilhete dela dirigido a mim. Dizia que tinha recebido um bolsa de estudo para uma escola de música em Londres, que estava de partida e se queria despedir de mim.
Fiquei desapontado comigo mesmo por não ter tido a oportunidade de me despedir daquele olhar. O sorriso ainda gravado na minha memória como se ali estivesse presente. No dia seguinte partiria rumo a Londres.
Voltei para casa exausto, sem saber o que fazer. Sabia que dali em diante as aulas da tarde não iriam ser as mesmas sem ela. Não sabia que fazer para a voltar a ver pela última vez. Tentei perguntar a um dos colegas se tinha o contacto dela mas não obtive respostas. A manhã aproximava-se e eu nem sabia se o avião já tinha partido.
Sem pensar duas vezes arranquei a quanta velocidade pude até ao aeroporto na esperança de a voltar a ver.
Quando lá cheguei corri para uma belheteira, perguntei se o avião para londres já tinha partido, disseram-me que partiria dentro de momentos. Corri até ao local de desembarque a toda a velocidade. Quando lá cheguei tentei procurar por ela entre uma imensidão de pessoas, todas elas amontoadas umas nas outras como sacos de compras arrumados ao canto de uma despença. Quase a entrar no avião estava ela, os longos cabelos loiros, a silhueta esbelta e delicada, a flor vermelha no cabelo, era ela! Corri até junto do avião e gritei por ela. Ela ouviu, olhou para mim uma última vez e mandou-me um beijo. Fiquei desesperado e estive quase a cometer a loucura de entrar naquele avião mas fui abordado por um guarda que me fez recuar. Era hora do avião partir, era tarde demais.
Essa foi a última vez que nos vimos, a última vez que pude contemplar o sorriso dela, tudo porque nunca tive coragem de lhe dizer o que sentia, os sentimentos que se moviam dentro de mim cada vez que ela falava.
As aulas voltaram no tempo previsto. Entrei na sala com a certeza de que ela não estaria mais lá dentro, embora tenha feito de tudo para me ilodir a pensar que seria possível ela ainda lá estar, só para voltar a sentir aquela sensação de formigueiro no estômago.
O dia passou devagar. Não fiz muita coisa nesse dia. As aulas correram a um ritmo normal, dentro daquilo que considero razoável para um homem de 36 anos.
Certo dia soube do falecimento do marido de uma colega de trabalho, professora de inglês. Tentei apoiá-la enquanto colega, quem sabe fosse essa uma forma de deixar o pensamento fugir. Numa dessas tardes em que tomavamos um café a minha colega reparou no meu olhar distante, embora eu estivesse presente. Perguntou-me o que se passava e acabei por lhe contar o meu problema. Ela permaneceu em silêncio enquanto eu falava. Não disse uma única palavra até eu acabar. Por fim sorriu-me com ar de compreensão e disse-me que a vida é mesmo efémera, somos tudo e somos nada de um momento para o outro. Não pecebi ao certo o que ela queria dizer com aquilo, mas gostei da forma sábia com que ela jogava com as palavras. Houve apenas uma coisa que ela me disse que entendi, que se gravou na minha memória.
Nós somos todos livres de seguir os nossos sentimentos sem precisar de os prender dentro do peito como que um segredo. Devemos viver os nossos sentimentos enquanto temos idade de o fazer, estamos a altura de o fazer. Não nos servirá de nada passar o resto da vida arrependidos por não termos seguido o coração.
Foi isso que fiz. Fui para Londres um mes depois.

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