Por vezes os meus olhos têm medo do que conseguem ver e nem sempre respirar é o melhor exercício para acalmar o receio.
O passado já era mais do que passado, mas certo dia vi a tua sombra.
Estavas algures distraído olhando a montra de uma loja quando te reencontrei. Olhar distante, dor pertinente mas encoberta pela sabedoria de quem a sabe esconder.
Não tinhas mudado nada.
Ainda era demasiado cedo para te conseguir esquecer e eu sabia que não te tinha esquecido.
Reencontrei-nos a ambos quando te vi.
Não te amo!
Percebi fez muito tempo que não soube amar-te a ti mais do que a mim. Percebi isso tarde. Porém, percebi a tempo. No entanto deixaste-me uma enorme marca. Tens de entender isso. Deixaste-me a revolta das palavras que soubeste ir calando. Deixaste-me a mágoa de mentiras que sempre quiseste encobrir da mesma forma que encobre o teu sofrimento. Deixas-te como herança o odor ocre do adeus antecipado de quem nunca entendeu ao certo onde foi o início.
Quando te olho não me reconheço, mas sei que um dia fizemos parte do mesmo mundo, respiramos o mesmo ar, trocamos a mesma saliva misturada com os mesmos beijos. Não me arrependo. Apenas penso na hipótese de nunca te ter conhecido, que seria preferencialmente muito melhor.
Tenho medo de olhar para ti. De voltar a sentir a mesma revolta, de sentir a mesma amargura e aquela pontada de raiva.
Eu nunca fui de ter raiva porque nunca amei da mesma forma como um dia te soube amar. Mesmo assim repito-me, nunca te amei mais do que a mim mesma.
Podes chamar-me parva, imbecil e agredir-me com as tuas palavras de tentativa de desprezo que nunca me atingiram, mas confesso-te: Já senti nojo de ti. De mim, de nós dois. Já tive nojo de saber que as tuas mãos me tocaram, que um dia ocupaste lugar dentro de mim, que saíste e nem soubeste fechar a porta devagar, dizer baixinho que tinhas de ir.
Tive muito medo do que quase me tornei por ti. Por momentos não me reconheci.
Escrevo para dizer que hoje tive medo, porque te senti de novo demasiado perto. Tive medo de perder a cabeça, dizer-te passado tanto tempo aquilo que há tantos anos eu penso e que ainda hoje eu guardo para te dizer.
Sei que não vale a pena. É demais dizer tudo de novo, repetir a mesma coisa vezes sem conta. Não iria servir de nada. Nós nem sempre calamos porque consentimos, mas sim porque não queremos discutir inutilidades que nada nos oferecem para a nossa vida.
Lá foste tu á tua vida, para bem longe onde eu sempre desejei que ficasses. Continuei em frente. Foste apenas mais uma imagem que passou na minha vida, mais uma sombra que ficou para trás. Um fantasma que teima em querer ficar, mas que só eu tenho o dom de poder expulsar.
Sem comentários:
Enviar um comentário